Estudo sugere elo biológico entre enxaqueca e tumores do intestino e do estômago

  • 28/10/2025
(Foto: Reprodução)
Vacinas da Covid podem ser aliadas no tratamento contra o câncer Medicamentos criados para tratar enxaqueca podem, no futuro, ajudar a conter o crescimento de tumores do estômago e do intestino. É o que sugere um estudo conduzido por cientistas da Universidade La Trobe e do Instituto de Pesquisa do Câncer Olivia Newton-John (ONJCRI), na Austrália, que identificou o papel de uma proteína inflamatória típica das crises de enxaqueca — o neuropeptídeo CGRP — e de seu receptor, o RAMP1, no avanço de cânceres gastrointestinais. Segundo os pesquisadores, essa via nervosa parece ser explorada pelos tumores para acelerar seu crescimento. Como existem remédios que já bloqueiam o CGRP no cérebro, a descoberta abre caminho para investigar se essas mesmas drogas poderiam interromper esse mecanismo no intestino. O estudo foi publicado na revista BMJ Oncology. Comunicação entre cérebro e intestino pode favorecer o tumor O intestino é conhecido como o “segundo cérebro” do corpo humano. Isso porque ele abriga uma vasta rede de neurônios e fibras nervosas que controlam a digestão e trocam sinais constantes com o sistema nervoso central. Essa comunicação, essencial para o funcionamento do organismo, pode também ter um lado obscuro: tumores parecem se aproveitar dessas conexões para crescer. Foi o que observaram os cientistas australianos. Nos tumores analisados, eles identificaram fibras nervosas que liberam o neuropeptídeo CGRP — uma molécula inflamatória que, em condições normais, participa da transmissão de dor e de processos vasculares. Dentro do ambiente tumoral, porém, essa substância estimula a multiplicação das células cancerosas. “Mais surpreendente ainda é que as próprias células do tumor também produzem o CGRP, criando um ciclo de retroalimentação que reforça o crescimento”, explica Pavitha Parathan, autora principal do estudo. Em outras palavras, o mesmo tipo de sinal nervoso que provoca as dores da enxaqueca pode estar sendo explorado por tumores do intestino e do estômago para se expandir — um elo inédito entre o sistema nervoso e o câncer. Mesma molécula da enxaqueca atua no intestino O CGRP — sigla para peptídeo relacionado ao gene da calcitonina — é uma molécula que o corpo libera durante as crises de enxaqueca. Ela provoca inflamação e dilatação dos vasos sanguíneos, gerando a dor característica da doença. “Quando a dor de cabeça começa, os níveis dessa proteína sobem muito; quando a crise passa, eles caem”, explica Sara Casagrande, neurologista especialista em cefaleias pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia. O que surpreendeu os pesquisadores australianos foi perceber que o mesmo mecanismo aparece fora do cérebro, dentro do trato digestivo. O intestino, por ser intensamente enervado, também produz CGRP e o seu receptor, RAMP1 — exatamente as duas moléculas que os tumores parecem explorar. “Agora sabemos que células cancerosas do estômago e do intestino expressam o CGRP e o receptor RAMP1, o que pode favorecer seu crescimento”, completa o neurocirurgião Helder Picarelli, pós-doutor pela Universidade de São Paulo (USP). A enxaqueca é tão intensa que pode comprometer o dia a dia Shutterstock Medicamentos conhecidos levantam nova hipótese Hoje, já existem fármacos capazes de bloquear o CGRP e o receptor RAMP1, usados no tratamento da enxaqueca — tanto para aliviar crises quanto para preveni-las. Essas drogas se dividem em duas categorias: Gepantes, comprimidos orais como rimegepant e ubrogepant, que bloqueiam o receptor RAMP1; Anticorpos monoclonais, como erenumabe e galcanezumabe (vendido no Brasil como Emgality), aplicados por injeção e usados na prevenção de crises frequentes. “Essas vacinas anti-CGRP são hoje o tratamento mais moderno e eficaz contra enxaqueca crônica”, explica Sara Casagrande. O novo estudo levanta a hipótese de que essas mesmas drogas possam, um dia, ser testadas como aliadas no controle de tumores gastrointestinais, já que atuam exatamente na via bioquímica agora associada ao crescimento dessas células. Um caminho promissor — mas ainda inicial De acordo com o oncologista Stephen Stefani, da Oncoclínicas e da Americas Health Foundation, o trabalho reforça o quanto entender o microambiente tumoral é essencial. “Esses neurotransmissores, como o CGRP, estão envolvidos tanto na enxaqueca quanto na formação de novos vasos sanguíneos — e o mesmo ocorre em tumores do intestino. Se bloquear essa via ajuda nas crises de enxaqueca, faz sentido investigar se isso também pode ajudar a conter o câncer”, explica. Stefani, porém, enfatiza que a pesquisa ainda está em fase inicial: “É um mecanismo elegante e interessante, mas ainda há um longo caminho até comprovar que o efeito se traduz em benefício clínico real. Agora é hora de seguir todos os passos científicos para validar essa hipótese.” Os autores do estudo deixam claro que o objetivo não é prevenir o surgimento do câncer, e sim tentar frear o avanço de tumores já existentes. As próximas etapas incluem testar se o bloqueio da via CGRP–RAMP1 pode retardar o crescimento tumoral e melhorar a resposta à quimioterapia ou à imunoterapia. Neurociência e oncologia Para Casagrande, compreender essas conexões entre sistema nervoso e câncer é fundamental para o futuro da medicina personalizada. “Essas descobertas mostram que o cérebro e o intestino se comunicam também no contexto tumoral. Ao entender essas vias, podemos abrir novas possibilidades terapêuticas com medicamentos já conhecidos e seguros”, diz. Os cânceres gastrointestinais — que incluem tumores de estômago, cólon, reto e fígado — representam um em cada quatro novos diagnósticos e um em cada três óbitos por câncer no mundo, segundo estimativas internacionais. Para os especialistas, essa ponte entre neurologia e oncologia pode se tornar um novo território promissor de pesquisa e tratamento.

FONTE: https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/10/28/estudo-sugere-elo-biologico-entre-enxaqueca-e-tumores-do-intestino-e-do-estomago.ghtml


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